Carta aos órgãos de informação, no intento de levar aos
mesmos uma consciencialização e
reflexão sobre a justiça aplicada, ou, aplicação da mesma.
Como
sociedade temos, e este reconhecimento terá que ser o ponto de partida, claramente
perdido ao longo do tempo a guerra contra o crime. Alimentamo-lo com as
diferenças sociais, criticando-as pela manhã, comemorando-as pela tarde nos
milhões que vemos ganhar aqueles 10%, donos dos 90% do dinheiro do Mundo. Oito
horas, de trabalho árduo e braçal para alguns ganharem trinta euros, e
milhares, ao miúdo que colocou no Youtube dez segundos de vídeo, a equilibrar
uma bola de ping-pong no nariz: não ajuda. Fabricamo-la semanalmente com
prémios de jogo e lotaria, de setenta milhões, convenientemente minimizados nos
segundos, terceiros e enfim, outros premiados, fugindo ao logico repartir
social, no caso da sorte de fim monetário. Desculpado no alimentar de uso
social, empresarial, que supostamente nos pretendem vender como resultante, no
discernir de despreparados alvos á mercê de iluminados bancários, políticos e
etc.
Mas, não
será esta uma discussão por mais urgente, para este tempo. Nem, infelizmente
para o homem social do mesmo, que provadamente confirma o filosofo: “…porque o
escravo, não quer ser livre, quer ser amo!”
Para a
sociedade civil, imprensa, opinião publica, todos enfim á excepção dos
intervenientes e suas relações directas, a justiça termina no julgamento,
aquando da leitura do acórdão de sentença. E até lá, muito haveria a mudar, e
perdoe-se-me talvez a forma simplista; quiçá, popular destes exemplos. Mas,
quantas vezes nos perguntamos o porquê, do tanto complicar o por vezes simples.
-Salientado
já, e inúmeras vezes por quem de direito: o recurso! Em que a possibilidade do
mesmo depende desde logo, dos recursos do arguido. Sabemos que a grande maioria
dos presos portugueses, os que me preocupam, são de classe baixa ou muito
baixa. Veja-se num simples exercício de comparação, crimes idênticos e neles os
resultados penais, entre quem tem defensor publico e subindo depois,
acompanhando o nome na praça e o custo do advogado, e constataremos então e tantas
vezes por vós focadas, inconcebíveis e incompreensíveis disparidades.
O arguido
pobre, não só não tem poder económico para alimentar a morosa máquina, como,
falando popular, que, “pé rapado”, se vai atrever a questionar ou queixar,
(salvo raras exepções que chegam a vós), de um advogado a quem não paga, mesmo
que o sinta negligente. Ou nem o percebe, como leigo, ouvindo-se nas salas de
visita das prisões portuguesas, a mães de reclusos condenados, filhas da
solidariedade social, dizerem: -O advogado coitado, fez o que pôde e de
“graça”, não lhe paguei nada, mas o juiz… E depois, comparando com o que o
dito conseguira e fizera, com casos idênticos, mas bem pagos, no resultado
revela-se a verdade.
-Reavaliação
do grau de gravidade dos crimes, no âmbito da sociedade actual. Um olhar o
crime sob o peso da consequência social. Há o crime de vítima directa, de
sangue, a violação, o roubo violento, etc. Deixemo-lo por agora, tomando apenas
como exemplo um possível roubo a um estabelecimento comercial, uns milhares de
prejuízo, uma família seriamente prejudicada. Observamos a moldura penal, o
peso da mesma e nula consequência social. Fundeado no vicio, na miséria, no
baixo nível social, realidade a considerar que não o desculpando, antes
agravando, pois despido de atenuantes, no quadro actual. E depois, o
empresário, de bom nível social que perante a dificuldade em manter alto, o
status a que se habituou ou apenas, ao mais ainda que a ambição lhe exige,
levando a que a empresa valha mais morta que viva. Endividado, protege o
património, transfere dinheiro, esconde-o e declara falência. Constatando-se
fraudulenta, aí está ele e o seu advogado caro e de renome no tribunal, e cento
e cinquenta empregados no desemprego. Dificuldades, casas que se perdem para os
bancos, cursos que os filhos interrompem, divórcios, famílias desfeitas, refugio
no vicio, no ócio, miséria, droga e roubo. Consequências sociais de gravidade
incomparável, atenuadas perante a justiça pelo caro trabalho do advogado, que o
salienta como chefe de família, empresário de histórico até louvável, pilar
social e por vezes até, político e autarca. Recorrerá da pena suspensa,
requerendo autorização para sair do país, pois abrir outra empresa livre de
dividas no Brasil, por exemplo, é o projeto a louvar com os postos de trabalho
que irá criar. Até que se esteja nas “tintas”, ou seja hora de repetir a
proeza. Ela resulta! Ao vir cá pelo Natal, cruza-se de carro caro com os
desempregados que criou e se a prisão tivesse janelas para a rua, nelas veria
alguns. Agora bandidos! Ele, foi o empresário que superou lá fora, (quando não,
mesmo por cá), as dificuldades e tem agora sucesso de novo.
-Primário!? Estatuto a rever! A única
coisa que nos diz, de concreto, é que antes não havia sido apanhado, o que, na
maioria dos casos, apenas abona a sua capacidade e talento para o crime. Por
mais crimes cometidos, a criminoso ele só passa no dia em que for preso. Na
véspera, ou ainda era um homem honesto, ou vítima de má-língua. Mas que
funciona como atenuante de forma tão, tão leviana, como manipulável. Agravando
aquele, que apenas ainda não entendeu que não tem jeito para a coisa, sendo
apanhado á primeira, “banana” que roubou, e á segunda, a falta de talento
vai-lhe valer o agravamento e pena certa. Beneficiando no outro, a inteligência
criminosa.
Ora se até aqui não se vê justiça, ou
melhor; se vê o como e quanto, ela pode ser manobrável e errónea na avaliação
do peso do crime. Leia-se: interpretativa, em linguagem jurídica. Mais ou menos
conseguida, para a sociedade, ela acaba no dia em que foi condenado. Esquecendo
a sociedade, que é na aplicação da mesma que reside o: fazer justiça. E até
hoje e por isso esta carta, procurando deixar a ideia dessa análise, a ninguém,
preocupou o acompanhar no tempo a aplicação da mesma. Na sua duração, analise e
principalmente condição de cumprimento. Seria quase ofensivo, para lá de
ingénuo, constatar diariamente a influência do dinheiro e do poder, no julgar e
condenar, e querer ignorar ou sequer considerar, que a mesma influência a que
assistimos cá fora, não se faz sentir lá dentro. É que ela pode ser tão efetiva,
a cobro dos muros e seu sistema, nas suas condições e privilégios, como é na
sociedade no exterior. Corrompendo, subornando, ela permite como constatamos
todos os dias, a introdução de droga e na última década, e mais rentável ainda
os telemóveis. Tão necessários á continuidade no interior, da gestão das redes
de trafico, ou simplesmente o comercio do seu uso. E não considerar sequer que
o mesmo se faz sentir nas condições, privilégios, facilidades e duração das
penas. Influenciando por vezes de forma
escandalosa o peso das mesmas, que é a aplicação da justiça. Isto, num “mundo”
e tempo que a ninguém interessa, ou preocupa já, e, pelos mesmos “muros”
protegido, num sistema totalitarista, quase feudal, que vive fechado, para o
bem e para o mal, em si mesmo. É ilógico! É cegueira social!
Da mesma forma que se sobrepõe na
sociedade, o que significa ao que é, ao entrar numa prisão de condenados é essa
a analise a fazer. A começar pela tipologia do crime, poder económico,
influencia social ou mesmo política, esta leitura vai direcionar de imediato o
recluso referenciado. E dependendo do quadro, vê-lo-emos a gerir o bar,
cantinas, enfermarias, a “trabalhar”, muitas vezes ficticiamente, (para
relatório), junto de chefias, serviços de assistência social, de educação,
mesmo secretarias, logística, equipas de construção civil, oficinas, etc.
Dependendo do seu grau de acção, influencia, área em que se movimentava bem cá
fora. E ele, vai conseguir bons preços e serviços, intercâmbio de favores, que
os relatórios a seu tempo, curto, irão pagar. Situações em que o chamado, “bom
comportamento” é inerente e garantido. Bem diferente do esforço para o manter
na selva diária, daquilo a que os americanos chamam de “população geral”, e que
eu chamaria de “preso comum”. Item convenientemente flexível, sobre, ou
sub-valorizado, conforme a importância do preso e sentido da análise.
Perguntemos então:
-Como e quem, e principalmente
quando, se chega e porquê ao regime semi-aberto? E porque alguns nem o interior
dos muros chegam a conhecer?
-Que peso e quem o pode atestar, tem
os relatórios para as saídas precárias. (primeiro e passo obrigatório na
conquista de uma condicional)
-Que influencia tem nelas o corpo e
chefia de guardas. (seus relatórios)
-A direção do estabelecimento
prisional.
“ “
-O serviço e seus educadores
“ “
-O serviço e seus assistentes
“ “
-A onde assenta a analise para
condicional, que atesta e assegura o merecimento da mesma.
E porque é tão importante a constante
massa reclusa que alimenta a máquina, queixando-se o serviço das condições, do número
de efetivos da guarda, dos serviços, das instalações, mas nunca do número de
presos. A quem convêm, que não resulte entre muros a recuperação de
toxicodependentes, (praticando-se por vezes uma aberrativa e cega distribuição
de medicação que a sustem), a reinserção social, as alternativas de pena, etc.
Quem são no fundo, os privilegiados e os bodes expiatórios do sistema
prisional. Quem fornece, por que mãos e a que preços e como lá chegam, aqueles
que ao sistema prestam serviços. Quem os confere!
Não tendo naquele sentido, o do valor
do que significa e não de quem é, académico conhecimento, (a haver), é no
empírico que me fundamento. Já algo distante no tempo, mas que o mesmo
infelizmente mantém, mais do que actual, certo, senão certamente agravado. Vivencia,
que viu reclusos do serviço de enfermaria, atestar por ser pedido, saídas ao
hospital para presença em casamento ou aniversario de familiares. De quem viu,
comprar saídas precárias, regime semi-aberto ou aberto, habitação fora de
muros, pernoita fora, ou recepção de família por tempo a desejar. Acções de
indisciplina e ilegalidade interna, esquecidas e mesmo, crimes pagos e
assumidos por outros, voluntaria ou acordadamente consentidos. Marcas, produtos
e preços a jeito em bares. Serviços de, e empresas, ligadas directa ou
indirectamente a reclusos, que o foram menos tempo do que os contratos
assinados.
Se a justiça não é justa, nos seus
mil pesos e medidas ao julgar, e menos ainda no aplicar e cumprir: de que nos serve?
O que diz a, e em que transforma, os que a vivem? Dura, pesada, para uns,
facilitada para outros, que efeito pratico tem na recuperação dos que castiga
muito, cegamente demais por vezes, ou castiga pouco! A alguns, muito pouco
mesmo!
Uma condenação que não é punitiva,
não surte efeito. Revela-se o crime compensador, (assim como pagar uma multa,
desproporcionalmente baixa para o lucro obtido), e cria-se a reincidência. E
uma condenação, que provoca revolta em vez de aceitação, igualmente frustra o
efeito pretendido e alimenta a busca pela maior rentabilidade do crime, no
futuro. “-Na próxima, se me agarrarem, vai ser por uma coisa em grande. Levo
aqui uma boa vida, e deixo a família bem!”
E é para este aplicar real da justiça,
que busco deixar a ideia de algum trabalho de analise. Algum levantar do véu
que cobre uma realidade, que depois daquela que a esta leva, tornam a justiça
que temos na completa destruição de uns, social e por vezes humanamente, e a
outros, paga ferias. Que por vezes, até fazem jeito! Resolvem dividas, traz
conhecimentos, alarga horizontes criminosos.
Eu, fiz por converter esta destrutiva
experiência, num conhecimento que só a mim serve, e numa certeza: a de que, sou
um homem bom, que fez coisas más. Mas se o que vemos e ouvimos, como sociedade
em geral, nos deixa indignados. Revoltados! A ninguém, ou muito dificilmente
alguém, consegue imaginar o que sente, quem vestiu o papel de bode expiatório e
pagou em excesso o preço, a que outros, todos os dias o poder e influencia poupa.
E são muitos, porque fazem falta e alimentam o sistema.
Fiquem bem
Sinceros cumprimentos
V.D.