Serei certamente louco
Serei certamente louco!
Gosto mais de bichos do que de gente. Sou certamente louco!
E diversificando o tal ditado que diz,"quanto mais conheço os homens...", a cada desilusão mais, com a raça humana ou com o homem per si, sinto o meu amor e admiração pelos bichos aumentar.
Não serei o único, de certeza a gostar de bichos assim, como, digamos; demais. Mas eu sou daqueles que os alimenta pela rua, tenho os que posso em casa, quatro entre os que escolhi e os que me escolheram, e com todos me preocupo. Demais!
Por eles faço sacrifícios, de tempo, dinheiro e dedicação, por eles por vezes durmo mal, preocupado, e por eles por vezes corto em certos pequenos prazeres. E de tal forma gosto deles, que serei certamente louco. E assim me vêem alguns; suspeito mesmo que quase todos os meus colegas, vizinhos e direi mesmo conhecidos.
Precisamente um colega meu, e peço desculpa pela má língua, embora haja quem diga que é saudável mas de certeza feio, que a mulher pôs fora de casa porque, final do mês, salário recebido, e dele nada deixando na casa de frigorífico vazio e faltando ao trabalho, viajou para a Alemanha para ver o Sporting jogar. E como ele adora o clube. Isso mesmo; daquela forma fanática, capaz de disparar um foguete veri-light contra os adversários; perigando matar alguém que nem conhece e ser preso arruinando a vida. Pois, ele tem a certeza que eu sou louco.
-Pronto; ter um bicho em casa, prós miúdos,... não os tratar mal, tudo bem. -Diz-me ele. -E com o dinheiro que gastas com a bicharada, podias fumar tabaco decente e não esses cigarrinhos feitos à mão, tomar o pequeno almoço na pastelaria, sei lá; talvez até trocares de carro por um melhor. -Diz-me ainda.
E deve ter razão, e eu devo ser maluco. Apesar de: sacrificar um vicio que me faz mal, ou fugir à tentação dos doces, não me parece mal de todo. E depois, o meu carro está bom. É pequenino é; é suficiente.
Com o meu vizinho, que é caçador, nem vale a pena. Sou louco de pedra!
Para ele bicho é para matar e comer. Peixe é para pescar, e os outros, se voam ou caminham, ele tem uma caçadeira para cada tipo. Aves grandes, pequenas, de voo ou de solo, lebre, coelho ou raposa. Os demais; bem os demais são os cães para ajudar a matar e o resto, bem o resto:
-Se não é para comer!? É para quê? Querem ver eu,...em vez de me alimentar deles, alimento-os as eles, e estou a trabalhar para os bichos. Afinal; quem é o ser inteligente aqui?
E deve ter razão. Porque eu tentei explicar-lhe que a meu ver, levantar-se de madrugada de inverno, fazer quatrocentos quilómetros de combustível e portagens para trazer um par de lebres. Sim; porque o meu vizinho vai a onde for e não perde uma. Gosta daquilo, de matar bichos. Chegou a faltar ao casamento da filha que deixou de lhe falar desde então. mas dizia eu, e disse-lhe eu, que também está a trabalhar para os bichos, apenas para os matar.
Não entendeu!
E quem entende um louco como eu? Só outro igual.
Até quem gosta de bichos, como o Dr. Pedro, uma boa casa alguns metros depois, com dois bons cães a guardá-la, que eram até três, mas um, teve que o abater, adoeceu e tinha que ser operado. Mas tem uma quinta, lá prós lados de onde nasceu, a onde diz ter umas quantas vacas. Que dão bom leite se orgulha e mais umas tantas ovelhas, que diz serem poucas e que manda matar de vez enquanto, pagando assim a quem com o leite delas, lhe faz os queijos. De igual forma, dos dois suínos que engorda, um, por altura das festas o sacrifica e dele, parte dá ao caseiro. É um homem prático, generoso, foi em tempos toureiro e empresário, chegou a ter um matadoiro e uma rede de talhos, dizem as tais más línguas, saudáveis e feias, que por causa da colecção de carros caros, tudo deixou falir, mais de uma centena de desempregados e dos carros pouco sobra, os bancos e as finanças levaram a maior parte. Hoje costuma dizer , -O que me resta é a casa, a quintinha e os meus animais. e di-lo com carinho. Deve por isso gostar mesmo deles. Mas o que ele mais gosta é de touros; e quando fala neles, fala com paixão:
-O que eu gosto de toiros, meu bom Deus! Grandes, bonitos, fortes, e quando negros,... Aquilo era a minha vida. Nunca fui tão feliz! -E se entusiasma! -Quando o bicho avança, 500Kg de força, músculo e pujança, é tal a emoção..., não dá para explicar. O cavalo faz o meneio dele e o homem se dobra e espeta-lhe a bandarilha, o aço entra-lhe no lombo e nasce nele uma força que quase levanta do chão os 500Kg, quando investe. É lindo demais! Há bicho danado! Bicho nobre! -e vêm-lhe as lágrimas aos olhos.
E eu calo-me e fico triste!
Ver sofrer, nunca me deu prazer. E como vou duvidar de um homem, que fala assim do seu amor aos bichos. Com tanta paixão! E calo-me! Mas não entendo, e fico triste. Triste porque não sou eu também entendido, sentido-me por vezes a dizer disparates. Como à tempos, num sábado em que tomava num café da vila uma bica e comia um bolo, como poderia fazer todos os dias, caso não gastasse com os bichos, fazendo-me possivelmente mal. Um programa na televisão, reportava a difícil situação de sobrevivência das viúvas de guerra, num pais africano em conflito, para criarem seus filhos pequenos e trabalharam na procura de alimento. Como nos diz a historia acontecer, depois de tantas guerras e em consequência.
Digo eu, sem me segurar a comentar:
-Vi em tempos um documentário sobre uma ilha dos Galapagos, em que a presença do homem, ou a sua influência, provocou drástica quebra na população de machos de um tipo de ave, que ali nidifica naquelas praias. Sendo apenas suficientes para o acasalamento, faltavam depois para manter quentes os ovos, e nascidas as crias as protegerem, enquanto as fêmeas pescavam, para as alimentar. Pois os bichinhos, no caso aves, mais fêmeas que machos, juntaram-se duas a duas, as mâmâs, e rolando os ovos no mesmo ninho os juntavam, e revezando-se, cobria-nos uma mantendo-os quentes, voava a outra ao mar por comida.
-Ninguém me entendeu! Ou melhor, compreendeu o sentido, ou sentido encontrou no que disse. E ainda ouvi, entre interrogativos e ofendidos, -...há cada um! A mãe deixar os filhos misturados com os de outra e ir trabalhar, ...já agora, dividiam casa e comida?! E marido!
E eu pensei no infantário, ...mas aí é a pagar. É um serviço, e assim deve estar certo, e mulheres a dividir marido, ou vice versa, não é novidade mas por outros motivos, não para criar os filhos; claro.
E devem ter razão! Os bichos fazem cada coisa. Coisas de bichos!
A mim, parece-me lógico.
Mas eu,... enfim..., estão a ver.
Basta vos dizer que chove lá fora, estou no trabalho na minha hora de almoço, da qual o pouco tempo que me resta, eu estico como posso, para como todos os dias, com o meu saco de plástico na mão, percorrer quinhentos metros e neles levar comida a uma dezena de bichos. Estes miam.
Mas eu sou certamente louco!
V.D.
Renego neste desabafo todos os loucos doentes ou nocivos.
Homenageio nele todos os loucos úteis e saudáveis
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