Sou o maior
O animal, raspa as patas no chão de terra entre duas grandes rochas parcialmente cobertas de neve. Altivo, macho imponente da sua espécie já rara, ele é um exemplo de beleza na criação do senhor Deus.Atirando para trás a cabeça, procura entre os sulcos altos de uma rocha pequenas ervas, que mastiga lentamente, como se grato, tivesse a plena consciência da sua escassez. Faz parte da paisagem, nasceu livre e sem ele, o quadro daquela montanha ficaria mais pobre. Mais feio!
Jovem adulto, cabe-lhe ainda a nobre tarefa de contribuir para sobrevivência da sua espécie, símbolo e bandeira dos Alpes, em que tal como os vales e colinas, vegetação e neve, tornam rica e bela a região. Houve um tempo, em que muitos eram, e a machos na idade dele, exemplares reprodutivos, cabia a disputa pelo território e fêmeas. Que lhe permitisse em retribuição para com as montanhas, sua casa e pasto, gerar os filhos, enriquecendo o Mundo e o seu equilíbrio. Hoje está só. E o falso domínio sobre os concorrentes em extinção, rouba-lhe dignidade, e rouba-lhe também em longa procura, a necessária oportunidade de reprodução. Mas olhando-o assim tão magnifico, a montanha reconhece nele a força e coragem do sobrevivente, e cúmplice; esforça-se para no seu colo o abrigar e proteger, criando em suas entranhas berços, para os descendentes que não irá ter.
Algo o perturba e inquieto olha em redor. A montanha sussurra-lhe cuidado e ele, abre as narinas, bufa por elas e busca nos odores do seu mundo a confirmação do aviso da mãe terra. Num grito, nascido no ventre de mil gerações de seus pares antes de si, avisa os seres com quem reparte a vida, do perigo escondido.
Já é tarde, quando sente o que não entende e o instinto o desperta. E a bala, deixando o cano da espingarda em brasa, dispara certeira e orgulhosamente mais rápida que o som, que ainda o fez virar a cabeça para olhar de frente a morte. O animal, Alce de seu nome pois outro não lhe foi dado, cambaleia, flecte na dor as patas traseiras que recusa dobrar, e o sangue vermelho escuro escorre-lhe do peito, e desce, manchando o branco da neve na orla da rocha, a onde firmou hirtas as patas dianteiras negando cair. Quer morrer de pé! Afinal; é um rei sem súbditos. Mas é um rei!
Não o consegue! Cai no solo!
Escuta nos passos do assassino que se aproxima o riso da morte, e com a coragem de quem caído segue de pé, não deixa que as sua longas pestanas o impeçam de olhar o inimigo fechando-lhe os olhos. E olha-o! Procura no seu olhar a fome, que o fez fugir a outros, ou o medo com que ainda outros o atacaram. Procura nesse olhar, razão ou nobreza, para o respeitar nas leis que a superior natureza o instruiu. Não encontra!
Encontra sim prazer, frieza, covardia, e principalmente um descomunal desrespeito pela vida. O assassino, ele não conhece. Nunca lhe fez mal algum, nunca sequer se aproximou do seu mundo, nem o entende. E enquanto sofrendo, a morte vai cobrindo de baço o seus olhos abertos roubando-lhe o brilho, sente no flanco, a pouca distancia da ferida aberta por onde se esvai a vida, o peso da bota daquele que mais do que lhe oferecer a morte, desrespeitou-lhe o ser.
Pela boca meio fechada do bicho, o ar ainda quente, saindo pressionado pelo peso da bota do caçador, ganha no frio da montanha contornes de vapor. E o choro da natureza, só ele, o Alce, o ouve.
Vitorioso de uma guerra só dele, erguendo de braço esticado a espingarda, o caçador grita para os colegas que se aproximam:
-Disse ou não disse!? Ultimo ou não, este tinha que ser meu! Sou o maior!
V. D.
03/18
Fé, a pé, de joelhos, e o espírito cristão
A fé, na minha opinião é sem duvida uma das coisas mais importantes na vida de uma pessoa. A fé no Mundo, a fé em si mesmo, a fé nos outros e a fé religiosa. Toda e qualquer uma delas pode ser o motor que leva o crente até ao seu objectivo.
Agora, e porque o momento é este, e este blogue se pretende reflectivo; reflictamos então na fé cristã. Naquela que faz um homem caminhar trezentos quilómetros a pé, dois ou três de joelhos, ou mesmo rastejando, ou outras formas de sacrifício. Em pedido ou agradecimento, para com uma entidade superior, que, ao ver tamanho sacrifício o reconhece concedendo ao crente a graça pedida, ou no agradecimento, em que essa entidade, se vê ela reconhecida por graça concedida.
Mas pensemos: o que espera do crente a entidade, boa e misericordiosa?
Que uma vez na vida, que cada vez que a vida lhe aperta os calos, que sempre que lhe surjam dificuldades, que sempre que os seus objectivos se revelem difíceis ou o seu clube não esteja bem colocado no campeonato, o crente, dilacere os pés, os joelhos ou o corpo todo, na gravilha da estrada, quando se lembra que, -É pá, isto só lá vai é com a ajuda de...., estou desesperado, vou a Fátima. -ou mesmo, (e gratidão é nobre), -Consegui a cura, a casa, o carro ou a vitoria no campeonato, vou com a malta a pé até... - Será?
Será mesmo que Deus, os Santos e Anjos, o que esperam de nós seja um descomunal esforço físico e psíquico, sempre que precisemos deles ou por eles formos ajudados.
E depois, esgotado o espírito cristão nas bolhas dos pés, e feridas nos joelhos, a divina entidade fica a ver o crente, no seu quotidiano, passar ao lado de quem pede ajuda e ignorar, enriquecer explorando o semelhante, matando animais por prazer e deixando a solidariedade para os outros, fechado no seu mundo de egoísmo, como foi até ao dia em que dela necessitou, ou foi atendido, e assim continua depois.
Egoísta o homem, egoísta até na fé, crente, mas na crença de ter um Deus só para si, que não divide, e ao qual recorre apenas em causa própria.
Eu, que já a perdi um dia, e a recuperei depois, sinto na fé a vontade de todos os dias tentar ser bom, leal, solidário, tolerante, não me importando se a isso se chama sequer espírito cristão.
Todos os dia peço ajuda, todos a agradeço, E estou certo na minha fé, de todos os dias por ela, graças receber.
V. D.
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